Billings Viva – Cap. 4 e 5

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4 – A luz viria da Serra 

4- Caieira para o fabrico de carvão – 1926. 

“Queremos o progresso sim. Mas o progresso traz muita coisa que nos dá medo. Tenho medo que as indústrias que hoje poluem os rios amanhã acabem com a minha pescaria.”  

(lto – Luiz Gonzaga Nestlener; Iporanga, 87)  

A partir da segunda metade do século XIX, acentuando-se no início deste, cresceu e se diversificou muito, de forma não prevista, o consumo de energia elétrica. São Paulo entrava numa fase de desenvolvimento extraordinário, como não experimentara ainda nos séculos anteriores. O cultivo do café, que chegava pelo Vale do Paraíba, ganhava vulto e fazia a riqueza dos “Barões do Café” e de São Paulo.  

Possuindo mercado certo no exterior, urgia vencer o desafio das intransponíveis escarpas da Serra do Mar, para dar mais agilidade ao fluxo da mercadoria entre o Planalto e o Porto de Santos. Assim, em 1860 tem início a construção da Estrada de Ferro Santos.Jundiaí (pela São Paulo RailwayCompany Ltd, recém criada firma inglesa), inaugurada em 1867.  

Estava vencido, em parte, o desafio da Serra do Mar, à altura de Paranapiacaba, ficando estabelecido um corredor de exportação/importação. Como era de se esperar, ao longo do leito ferroviário no Planalto, foram se estabelendo pequenas indústrias, que não, pararam de crescer e se multiplicar, e a expansão ferroviária pelo interior paulista se fez necessária a partir do tronco da Santos-Jundiaí. Tal foi o crescimento verificado que forçou a duplicação, ainda na última década do século XIX, do trecho ferroviário inicial.  

Afora isto, os bondes com tração elétrica foram substituindo os antigos, com tração animal, dando um salto nos transportes coletivos e de cargas na cidade de São Paulo. Delineou-se nova expansão urbana/ocupação do solo ao longo do traçado da via Centro – Santo Amaro.  

Timidamente a lâmpada elétrica foi substituindo os bicos de gás na iluminação pública das ruas centrais.  

Tudo isto significou um aumento vertiginoso na demanda de energia elétrica. E o Estado não estava preparado para atendê-Ia. Muitas soluções vinham sendo intentadas, mas não resolviam o problema.  

Por decreto de 17.7.1899 o governo do Estado, impotente para solucionar a questão, concede à firma 

 canadense The S. Paulo Trainway, Light and Power Company Ltd, (que já administrava o serviço de bondes), privilégios para o “fornecimento de energia elétrica para luz, força e outros fins industriais”.  

Afora a urgência em prover a demanda, alguns desafios se impunham:  

– produzir energia próximo ao maior centro consumidor, que já se delineava;  

– São Paulo não possuía nenhuma cachoeira ou corredeira significativa;  

– Seus rios – o principal dentre eles o Tietê – de vazão lenta (rios de planalto e de várzeas) estavam sujeitos a cíclicos decréscimos no volume de água.  

Sem perda de tempo a Light – como passou a ser conhecida – dava início a um mosaico de obras, verdadeiro quebra-cabeça, que seguiu a toque de caixa e de forma ininterrupta por 60 anos.  

Entretanto, todos os esforços empreendidos nos primeiros 25 anos (ver Anexo I), ficaram comprometidos pela grande estiagem que castigou São Paulo em 1924/1925, e que motivou graves medidas restritivas ao consumo de energia na cidade de São Paulo. (Ver Anexo lI).  

Tais medidas, apesar de bastante pesadas, não foram capazes de ajudar o governo e a Light a contornar a crise. O reservatório de Sorocaba esgotou-se a tal ponto que a produção da usina de Ituporanga, que fornecia considerável suprimento de energia para a Light, foi 40% menor que a do mês anterior, e isto motivou o recrudescimento das medidas restritivas iniciais. (Ver Anexo III).  

Um mês depois o governo do estado estendia as tais medidas aos municípios de São Bernardo, Santo Amaro (à época desvinculado de São Paulo), Guarulhos, Santana de Parnaíba, Sorocaba, São Roque, Ibiúna e Jundiaí. Era um quadro calamitoso.  

O Projeto da Serra 

Ainda antes deste período crítico, o Governo do Estado encomendara à Light o desenvolvimento de estudos abrangentes que solucionassem o problema da demanda de energia, aproveitando as Águas do Alto e Médio Tietê, e ao mesmo tempo controlasse as cheias nas várzeas do Tietê e Pinheiros, além do abastecimento de água. Antes de 1923 os estudos indicaram preferência pelo Vale do ltapanhaú, com barragem do rio Tietê em Ponte Nova (Mogi das Cruzes), desviando as águas armazenadas para o rio ltapanhaú através do leito do Ribeirão Grande.  

A Light já havia adquirido terras na área a ser inundada.  

Mas o abastecimento de energia se agravava e exigia soluções mais rápidas, arrojadas e duradouras.  

Por isso em 1923 o problema foi entregue ao Eng” A W.K.Billings, construtor de importantíssimas usinas hidrelétricas no México e em Barcelona, na Espanha. Billings estava no Brasil construindo a represa usina de Ribeirão das Lages (RJ) para o reforço do abastecimento do Rio de Janeiro, desviando, para isto, águas do Paraíba do Sul (na altura de Barra do Píraí) para o Vale do rio Guandu.  

Encarregou um de seus auxiliares, 

“o Eng. F.S. Hyde, de obter mais informações sobre o Itapanhaú e procurar, no planalto, ao longo da encosta da Serra do Mar, outros locais apropriados à construção de represas, com a possibilidade de diversão das suas águas para a vertente marítima, como no caso do Itapanhaú“.  

Hyde percorreu durante vários meses o aparado dessimétrico da Serra do Mar à altura de Santos, analisando as condições da região e estudando alternativas. Depois de examinadas as várias condições, indicou como ideal para a obra o vale do Rio das Pedras (Rio com nascentes na crista da Serra e despencando próximo ao Cubatão), na Serra do Cubatão, ponto em que a escarpa da Serra oferecia a queda mais abrupta.  

Ali deveria ser construída o Reservatório do Rio das Pedras, cujas águas moveriam as turbinas da usina a ser construída ao pé da serra, em Cubatão, para aproveitar ao máximo a força estática das águas.  

Ocorre que a vazão do Córrego das Pedras, como também era conhecido o manancial, era pequena e desaparecia durante as estiagens. Incapaz, portanto, de manter o nível de águas no Reservatório.  

Desviando-se para o mesmo águas represadas da bacia do Rio Grande, conseguir-se-ia estabilizar-lhe o nível e aumentar a necessária vazão das águas.  

Billings aprovou a idéia, e começou a ganhar força o denominado Projeto da Serra, cuja execução deveria ter início imediato, e que no próprio decorrer das obras sofreria alterações visando maior aproveitamento dos recursos naturais disponíveis. (Ver Anexo IV).  

A região escolhida oferecia condições excepcionais e até hoje não superadas em nenhuma obra do gênero.  

Em primeiro lugar suas características topográficas e metereológicas. Um índice de chuvas bastante elevado: 

 “…porquanto os ventos do Atlântico, carregados de umidade, produzem abundante precipitação nas cumeadas da Serra e no Planalto adjacente em quantidade raramente excedida em qualquer outra região, chegando, às vezes, a precipitação anual ultrapassar 6m.”  

(Edgard de Souza).  

Estas condições metereológicas alimentam uma abundante rede de rios que, nascendo na serra, próximos ao mar e dele escapando, se dirigem a oeste – característica peculiar desta região de S. Paulo. De pequeno curso (pertencem à bacia do Tietê), e com características de rios de várzeas, portanto com fluxo lento das águas, estão sujeitos a transbordamentos no tempo das cheias.  

De um lado as encostas da serra do Mar descem em escarpa abrupta, queda de aproximadamente 725 m. A força das águas represadas, e precipitando-se desta altura, seria integralmente aproveitada para mover as turbinas gerando, com economia, mais energia.  

De outro, o terreno forma um planalto ligeiramente inclinado a oeste, numa descida suave que se estende desde a serra às margens do rio Paraná. Para represamento do Rio Grande e inversão do seu curso não seriam necessárias barragens e diques muito altos.  

Ao lado das condições excepcionais que as características geofísicas possibilitavam, proporcionando maior armazenamento de água e melhor aproveitamento de sua força pela possibilidade de desvio de seu fluxo para a vertente marítima, a região ainda ofereceria as melhores condições para a construção:  

– facilidade de transporte .de materiais pela construção de um desvio ferroviário (Est, de Ferro Santos a Jundiaí);  

– ainda pela construção de desvio da antiga estrada do Vergueiro (Est. Velha de Santos);  

– menor distância para a transmissão da energia gerada ao centro consumidor.  

No auge da crise energética de 24/25 e já de posse dos dados dos levantamentos de campo, o governo e a Light resolvem começar a executar, sem demora e a toque de caixa, as obras do Projeto da Serra. (Ver Anexo V).  

E assim tiveram início em maio de 1925. À medida que as obras foram se desenvolvendo, e de acordo com os estudos que tiveram prosseguimento, a Light solicitou ao governo do estado uma série de alterações no projeto original, buscando ampliá-Io, potencializando ao máximo os recursos do complexo energético em construção. (Ver Anexo VI).  

As alterações solicitadas deveriam trazer, como efetivamente trouxeram, uma série de benefícios. Sobretudo a possibilidade de multiplicar várias vezes o potencial energético da usina de Cubatão sem causar mais danos à região.  

Em termos práticos, ao solicitar a elevação de sua cota para 747 metros acima do nível do mar, a Light propunha 

 “não só descarregar no Reservatório do Rio Grande as águas do reservatório do Guarapiranga, levadas até ali pelos leitos beneficiados dos rios Grande e Guarapiranga, como também encaminhar para aquele reserva t6rio, sem prejudicar a terceiros, as sobras das águas que correm pelo leito do Tietê colhendo-as na foz do rio Pinheiros e elevando-as pelo leito canalizado e retificado deste rio para o referido reservatório, elevadas essas sobras de águas por meio de bombas em pontos convenientes“. (Edgard de Souza).  

Com o aceleramento da degradação das águas do rio Tietê e Pinheiros, bem como do Guarapiranga, este item (o bombeamento das águas) passou a ser o ponto crucial para a, também crescente, degradação da represa Billings.  

 
5- Nono rosa (Com sua marreta histórica). 

5 – Billings: um rio corre serra acima (7) 

“Quando trabalhava com batelão a gente tomava dessa água e não precisava ferver nem nada. Do jeito qJl.e baixava a caneca, tomava. Era limpinha.”  

(Léli – trabalhou com batelão até início OOS anos 60)  

“Agora, o que é que eles devia fazê? Limpá esse rio pra nós. Porque a coisa que o povo mais gosta aqui é a pescaria. O governo devia limpar a Billings. ”  

(Gilberto)  

A represa Billings, também conhecida oficialmente como Reservatório do Rio Grande, ao lado dos reservatórios do Rio das Pedras e do Guarapiranga, passaram a ter relevada importância sociocultural para a população da Grande S. Paulo. Sobretudo Billings/Pedras, encravadas numa região de importância histórica, e em meio a um cinturão verde, como vários monumentos preservados. É quase certo que se hoje temos a oportunidade de fruição destes bens naturais e culturais (restaurados ou em processo de restauro) são créditos a serem conferidos ao Projeto da Serra.  

Questiona-se bastante a importância de se manter atualmente o ”tão discutível bombeamento das águas do Guarapiranga/Pinheiros/Tietê para a Billings”, (esse deve discutir), por conta de um acréscimo de kilowatts pouco significativos ao binômio da demanda/produção.  

Pensar assim, pura e simplesmente, poderia levar à conclusão de que não terá valido a pena o sacrifício das centenas de colonos e tantos outros moradores e trabalhadores que as águas desalojaram dos vales dos rios da região. Não se deve esquecer, entretanto, que durante muitos anos, o fornecimento de energia foi garantido pelo complexo de obras da serra. E que outros benefícios dele advieram.  

Parte dos moradores da orÍa da Billings conhecem-na pura e simplesmente por represa – “a represa, lá na represa, vou à represa”. Sobretudo a partir do Botujuru na direção do Eldorado.  

Há mesmo os que a tratam por rio; numa alusão inconsciente, ao Rio Grande a que, represado, deu-lhe origem.  

É certo que a usina Henry Borden defazou-se nesses 60 anos em sua capacidade de produção de energia visando suprir parte considerável da demanda que, desde o começo do século, não parou de crescer. Mesmo assim, não podemos negar à concepção e execução do Projeto da Serra, com seu complexo de obras interligadas e buscando soluções integradas para problemas diversos, uma certa centelha de genialidade. E se o Tamanduateí, o Tietê e o Pinheiros estão mortos, ”pedindo água“, Billings/Pedras encontram-se vivas.  

Vivas sim, mas seriamente ameaçadas. E disto nos demos conta em tempo. E temos que ganhar tempo. E ganhar tempo pode significar, por exemplo, diminuição ou mesmo suspensão temporária do bombeamento das águas das citadas fontes para a Billings. Mas é pouco. E sobre o tempo a ganhar falarei noutro lugar.  

Prefiro falar agora do potencial de lazer sócio-cultural e outros potenciais do conjunto de represas. Antes, porém, devo colocar, uma vez mais a palavra na boca de ex-colonos ou de seus descendentes, pois sede um lado a subida das águas causou traumas, por outro propiciou a ampliação de algumas das atividades desenvolvidas anteriormente. E até mesmo o surgimento de outras. Portanto, se no fundo de seus corações ficaram camufladas mágoas e tristezas (o que é muito natural), eis que de repente vibram quando falam da relação que passaram a ter com a aquele novo mundo de águas que surgia. Foi através do contato com eles que entendi que não houve uma “inauguração” da represa, um fechamento oficial de comportas. Com um grande número de obras acontecendo concomitantemente, o reservatório foi se fazendo pouco a pouco. (Ver Anexo V).  

Frederico Finco:  

– Quando a Light comprou os terrenos, fez os paredón aqui no Schmidt Canal e em Pedreira, aqui embaixo, perto de Santo Amaro. Depois a água ficou subindo, porque fechou todos os córregos. Demorou um pouco até encher tudo. Depois ela encheu bem, baixava, suspendia.  

Antes da construção da represa eram chácaras e mata.  

Veio uma ”turma”dos Estados Unidos, compraram os terrenos e fizeram a represa. A água corre pra serra e toca as turbinas da Light. A luz elétrica de San Pablo era tudo lá.  

Quando veio água aqui eu era moço. A água veio em 27 ou 28, parece. Depois de ~ns par de ano aumentaro mais um pouco. Dois ou três anos depois, subiu mais. Sempre teve muito peixe. Antigamente tinha menos ou tinha a mesma quantidade de peixe. Eram peixes pequenos. (8)  

Anselmo Mário Finco:  

– Tudo aqui era italiano. Vieram da Itália para o interior. Mas parece que não deu muito certo. Então por aqui passou um engenheiro, medindo as terras e destinando a cada família de italiano uma colônia, um pedaço de terra de 150 m de largura por 150 de comprimento. E os italianos não tinham nada; ficaram contente e quiseram ficar em S. Bernardo. O engenheiro era alemão.  

Cada família recebeu uma colônia. Naquele tempo alemón vinha em primeiro lugar. 

Prefiro falar agora do potencial de lazer sociocultural e outros potenciais do conjunto de represas. Antes, porém, devo colocar, uma vez mais a palavra na boca de ex-colonos ou de seus descendentes, pois sede um lado a subida das águas causou traumas, por outro propiciou a ampliação de algumas das atividades desenvolvidas anteriormente. E até mesmo o surgimento de outras. Portanto, se no fundo de seus corações ficaram camufladas mágoas e tristezas (o que é muito natural), eis que de repente vibram quando falam da relação que passaram a ter com a aquele novo mundo de águas que surgia. Foi através do contato com eles que entendi que não houve uma “inauguração” da represa, um fechamento oficial de comportas. Com um grande número de obras acontecendo concomitantemente, o reservatório foi se fazendo pouco a pouco. (Ver Anexo V).  

Frederico Finco:  

– Quando a Light comprou os terrenos, fez os paredón aqui no Schmidt Canal e em Pedreira, aqui embaixo, perto de Santo Amaro. Depois a água ficou subindo, porque fechou todos os córregos. Demorou um pouco até encher tudo. Depois ela encheu bem, baixava, suspendia.  

Antes da construção da represa eram chácaras e mata.  

Veio uma ”turma” dos Estados Unidos, compraram os terrenos e fizeram a represa. A água corre pra serra e toca as turbinas da Light. A luz elétrica de San Pablo era tudo lá.  

Quando veio água aqui eu era moço. A água veio em 27 ou 28, parece. depois de uns par de ano aumentaro mais um pouco. Dois ou três anos depois, subiu mais. Sempre teve muito peixe. Antigamente tinha menos ou tinha a mesma quantidade de peixe. Eram peixes pequenos. (8)  

Anselmo Mário Finco:  

– Tudo aqui era italiano. Vieram da Itália para o interior. Mas parece que não deu muito certo. Então por aqui passou um engenheiro, medindo as terras e destinando a cada família de italiano uma colônia, um pedaço de terra de 150 m de largura por 150 de comprimento. E os italianos não tinham nada; ficaram contente e quiseram ficar em S. Bernardo. O engenheiro era alemão.  

Cada família recebeu uma colônia. Naquele tempo alemón vinha em primeiro lugar. 

Prefiro falar agora do potencial de lazer sociocultural e outros potenciais do conjunto de represas. Antes, porém, devo colocar, uma vez mais a palavra na boca de ex-colonos ou de seus descendentes, pois sede um lado a subida das águas causou traumas, por outro propiciou a ampliação de algumas das atividades desenvolvidas anteriormente. E até mesmo o surgimento de outras. Portanto, se no fundo de seus corações ficaram camufladas mágoas e tristezas (o que é muito natural), eis que de repente vibram quando falam da relação que passaram a ter com a aquele novo mundo de águas que surgia. Foi através do contato com eles que entendi que não houve uma “inauguração” da represa, um fechamento oficial de comportas. Com um grande número de obras acontecendo concomitantemente, o reservatório foi se fazendo pouco a pouco. (Ver Anexo V).  

Frederico Finco:  

– Quando a Light comprou os terrenos, fez os paredón aqui no Schmidt Canal e em Pedreira, aqui embaixo, perto de Santo Amaro. Depois a água ficou subindo, porque fechou todos os córregos. Demorou um pouco até encher tudo. Depois ela encheu bem, baixava, suspendia.  

Antes da construção da represa eram chácaras e mata.  

Veio uma ”turma” dos Estados Unidos, compraram os terrenos e fizeram a represa. A água corre pra serra e toca as turbinas da Light. A luz elétrica de San Pablo era tudo lá.  

Quando veio água aqui eu era moço. A água veio em 27 ou 28, parece. depois de uns par de ano aumentaro mais um pouco. Dois ou três anos depois, subiu mais. Sempre teve muito peixe. Antigamente tinha menos ou tinha a mesma quantidade de peixe. Eram peixes pequenos. (8)  

Anselmo Mário Finco:  

– Tudo aqui era italiano. Vieram da Itália para o interior. Mas parece que não deu muito certo. Então por aqui passou um engenheiro, medindo as terras e destinando a cada família de italiano uma colônia, um pedaço de terra de 150 m de largura por 150 de comprimento. E os italianos não tinham nada; ficaram contente e quiseram ficar em S. Bernardo. O engenheiro era alemão.  

Cada família recebeu uma colônia. Naquele tempo alemón vinha em primeiro lugar. 

 “Naquela época todo domingo o gosto era esse: pescar. Pescar era ótimo. Principalmente nas noites que não tinha lua. Noites escura era melhor prá pesca – quarto minguante, lua nova. Lua cheia fica muito claro.”  

Léli também pescava no Rio Grande, e continuou pescando depois do fechamento da represa. Nos contou como a pesca tinha importância para o lazer de adultos e crianças.  

Quando chovia a água espalhava pelas várzeas – era quase tudo plano. Então formavam-se pequenas lagoas. Quando a água baixava, estas ficavam cheias de peixes. O sol começava a esquentar, os garotos e a rapaziada, por brincadeira secavam a água e recolhiam os peixes. Quando saíam prá beira d’água cedo, ficavam por lá brincando e pescando. Ao voltarem, quase nem podiam carregar de tanto peixe que tinha. Era tudo molecada. Comiam peixe nem que não quisessem. Tinham por demais. Dava mais traíra e bagre. 

 ”Também dava tabarana, um peixón branco, quase que nem carpa, mas era mais fininho. A carpa é arredondada. A tabarana é achatada. Pegava-se muita tabarana quando chovia pelas cabeceiras. Aí desciam. A água fazia aquele movimento e a gente pegava tabarana. Sempre no anzol. Agora, naquele tempo o pessoal apreciava mais a traíra.”  

Pescavam com caniço, com linhada e raramente com rede. Alguns gostavam de pescar com fisga, outros até com facão. Com fisga ou com facão se podia pescar de dia ou à noite. E qualquer peixe.  

“Se esta fisga falasse… ninguém acreditaria quanto peixe pegou esta fisga!” (Nono Rosa, mostrando a fisga, em tridente, que usa desde moço).  

Iam até onde tinha a várzea, onde a água é rasinha. Iam andando, ”bem longe” (dentro da água) e lá fisgavam ou acertavam os peixes com o facão. Só não dava pra pegar bagre, porque fica mais escondido. Quando a pesca se dava à noite, usavam um farolete carregado a carboreto.  

“De noite enxergava que era uma beleza.” (Nono).  

Para a pesca com linhada ou caniço a isca era sempre a minhoca. Para traíra usavam o lambari ou então uma rãzinha. Tinha muito lambari na Billings. Eram geralmente pescados na rede.  

Também à noite, quando saíam para pescar com fisga, aproveitavam para caçar rã – Pegar rã, como dizem – ou saíam especificamente para pegá-Ias.  

– Á noite era caçá rã. Era com farol de carboreto. Batia a claridade nas vista dela, pegava até com a mão. Mas nós tinha a fisga e só ia fisgando.  

-E rã é gostoso?  

– Oô, se é gostoso!! Rã?! É a milhor carne que tem!  

“Ainda existe hoje. Mas é que nem o cará: sumiu do mapa.” (Zato Pecchi).  

Todos pegavam rã e são concordes quanto à excelência de sua carne. Só discordavam na técnica de captura.  

“Fisga só para peixe. Rã só se pega com a mão. Nós nunca machucamos uma rã pra pegar.” De resto, era tudo igual: o uso do farolete de carbureto, nas várzeas ou beirada da represa.  

Lenha 

Lenha e carvão eram os principais combustíveis na região até o final da década de 50.  

“Antigamente tinha muita lenha pra tirar. A tinha, eh! Tiravam lenha por tudo. Só não foi mexido das comportas da balsa pra lá, porque ali tudo é inda virge. Daqueles lado ninguém nunca mexeu.” 

(Zato Pecchi).  

Cortavam a lenha e os batelões ‘iam pegar. Traziam até a prainha, onde formavam-se pilhas de lenha. Os caminhões levavam e vendiam em Sto André, S.  

Bernardo, S. Paulo… Havia porto de lenha em Santo Amaro, às margens do rio Pinheiros, onde também descarregavam lenha.  

Usavam lenha para abastecimento geral: das casas, das padarias, da ferrovia, das fábricas… 

– “As fábricas consumiam muita lenha. Isso na década de 40. A Rhodia, a Kovarick, as Indústrias Matarazzo, as fábricas de vidro gastavam muita lenha. O problema é que não dava tempo de crescer de novo.”  

– “A mata virgem é uma coisa. Depois já vem outro tipo de mato. Não nasce o mesmo. No tempo da mata virgem é tudo madeira boa. Depois que cresce o mato novo, é tudo madeira fraca.” (Nono).  

-Na época da 21 guerra os que distribuíam lenha, passaram a vender por quilo. Por isso queriam lenha verde. “Nós sofria pra carregar.”  

A demanda também cresceu muito, sobretudo por parte da Santos-Jundiaí. Com a impossibilidade  

de importação de carvão, as fornalhas das locomotivas passaram a ser alimentadas a lenha. (10)  

Gostaria de, em tempo, fazer um lembrete, para que não fique a impressão de que estou querendo apresentar o colono italiano como desmatador. Nem poderia fazê-Io, pois que não foram os primeiros habitantes da região e a atividade de extração de madeira existia bem antes da criação do núcleo colonial. Recorro, mais uma vez, à colaboraçã do Prof. José de Souza Martins, cujos estudos tornam-se cada vez mais imprescindíveis para o conhecimento e a compreensão do ABC:  

“A 16 de agosto de 1825, o comandante da 2ª Companhia de ordenanças de S.Bernardo, o fazendeiro Francisco Mariano Galvão, relacionou em sua área 5 moradores com carros de bois para o transporte de lenha para a cidade de S. Paulo e 6 com carros de transporte de madeira, totalizando 15 carros, pois alguns tinham 2. Na li Companhia de ordenanças de S. Bernardo, o alferes João José Barbosa anotou 18 homens que têm carros e trabalham com eles. Portanto, um total de 29 pessoas que viviam de transportar lenha e madeira em carros de boi.” (A escravidão em S. Bernardo, na Colônia e no Império).  

Das 6 “linhas”(subdivisões do núcleo colonial de S. Bernardo) criadas a partir de 1878, uma delas, a linha do Jurubatuba ocupou exatamente as terras da Fazenda  

Jurubatuba, aberta em 1754, e também pertencente aos monges beneditinos,  

“para onde deslocaram os escravos e o próprio padre-fazendeiro, como era então chamado o monge que a administrava. E ali haviam plantado bastante milho, feijão, arroz e três quartéis de mandioca. Nessa região, na 2ª metade do século 18, extraíram os monges, da Fazenda de São Bernardo, muita madeira para as obras de sua igreja e de suas fazendas. A ponto de que fizeram feitor dela um escravo de nome Caetano, ‘serrador e faquejador’, isto é, carpinteiro“. (idem).  

Festa de N. Senhora da Boa Viagem. 

Quase todos os “antigos” se lembram dela. Muitos dos “novos” lembram de relatos: Para uns e outros era uma festa muito bonita.  

Tinha a festa de N. Sra. da Boa Viagem com procissão de barcos. Vinha gente de Santo André, de S. Bernardo, de todo lado. Em S. Bernardo tinha uma festa com a procissão dos carroceiros. E aqui a N. Senhora com barcos. A imagem de N. Sra. da Boa Viagem vinha de S. Bernardo. E depois voltava. Nos barcos cantavam as orações. Faz tempo que não tem.” (Anselmo Mil Finco).  

É o tipo da manifestação que o surgimento do reservatório ensejou.  

– “Quando a represa encheu e que tava cheia, eles fazia essa procissão. Naquele tempo tinha aqueles barco, mas barco que carregava 80, 90 metro de lenha … Tinha outras embarcação menores, canoas de um pau só, bote … Então no dia de N. Sra. da Boa Viagem, em setembro, fazia uma grande procissão com os barcos. Saía do Riacho, e naquele tempo me parece que passava por baixo da ponte (via Anchieta); não me lembro. E vinham até por aqui tudo (até a altura do bairro dos Finco).” 

 (Zato Pecchi).  

– “A imagem de N. Sra. da Boa Viagem vinha de carro de S. Bernardo. Depois da procissão, levavam de volta para S. Bernardo. O povo todo acompanhava. Mas tudo isso já se foi. Passou o tempo.” (Anselmo Finco).  

– “Já se interrompeu pra mais de 20 anos. Cheguei a acompanhar. Pegava os barcos, ia até a balneária (atual Parque Chico Mendes) e voltava. Barcos todos enfeitados, os italianos nos barcos, pais, avós, bisavôs, tios cantavam louvando a Maria.” 

 De resto não se lembra.  

– “Era bonito demais, demais. Se voltasse agora, era uma maravilha. É uma pena que tudo se acabou.” (Zaíra Besognini).  

Léli, dono do batelão Boa Hora, oferece dados interessantes sobre as procissões na água. Estas não existiam anteriormente ao represamento do Rio Grande. Surgiram bem depois que as águas subiram, por volta de 1950 e com o estímulo do Pe. Fiorentti Elena.  

“Ele que fez a Matriz de S. Bernardo. A de Rudge também. Ele gostava dessas coisas e com o pessoal do Riacho fazia estas procissões.”  

A principal era a de N. Sra. da Boa Viagem, no dia 7 de setembro. Mas faziam outras também. 

 “No dia 20 de janeiro, dia de S. Sebastião, iam no Bororé, em Santo Amaro. Nõis então lotava os batelão aqui e ia lá. Dia 3 de maio, era o dia da festa de Santa Cruz, no Linguanoto. Costumava levar o Pe Fiorentti e o pessoal lá. Ia de manhã e voltava à noite.  

A de 7 de setembro era aqui mesmo em volta do Riacho.” A procissão de N. Sra. da Boa Viagem, conhecida por procissão dos Carroceiros em S. Bernardo é em anterior a esta realizada no Riacho.  

“Então, um dia foi pegada a N. Senhora ali nos Demarchi, aí peguemo a Santa lá e trouxemo aqui. E daqui foi que saiu a procissão. E os carrocero saíro daqui pra S. Bernardo.”  

A imagem foi conduzida, na véspera, ao Bairro Demarchi, que é perto da represa. Lá os batelões a pegaram e vieram em procissão até a Prainha.  

Tanta gente! Naquele dia foro bastante batelão! Uns 10 batelão cheio de gente. E daí continuou. Não tão grande que nem naquele dia, mas sempre fizemos. A turma toda de S. Bernardo, que não cabia nos barcos, ficou esperando aqui. Os carroceiros também estavam esperando. Também pessoas com carros e a cavalo. Naquela época tinha muitos carroceiros, tropeiros, carreteiros, charreteiros, cavaleiros.”  

E assim seguiam para a igreja matriz em S. Bernardo. A procissão entrou em decréscimo, e por fim parou no começo da década de 60. Léli atribui o fato ao decréscimo da importância dos barcos. 

 “Começou a acabar a lenha e passou a diminuir o número de barcos. Eu parei de trabalhar em 1963.”  

É quase certo que a festa de N. Sra da Boa Viagem no Riacho durante um tempo esteve desvinculada da mesma festa em SBC. Daí o fato de que algumas pessoas se lembrem com segurança, ou vagamente, do percurso da procissão até o atual Parque Chico Mendes.  

Para D. Maria, Conrado Rosa, que era “filha de Maria” à época, a imagem levada em cortejo pertencia à capelinha do Riacho. Ficava no local em que foi construída a atual igreja, uma pequena elevação, com um cruzeiro à frente.  

“Era uma coisa muito fervorosa, muito linda, se rezava muito, grande participação dos fiéis, o padre acompanhava. Cantavam-se hinos religiosos. Seguia até a Balneária (chácaras que dão fundo para a represa, perto da Balsa). Ocorria também de levarem a imagem de N. Senhora para a capelinha de São Bartolomeu, no Parque Municipal. Os batelões iam até o parque ao encontro da imagem. A procissão descia da capelinha e vinha à beirada da represa. Então tinha início a procissão na água.”  

Não sabem se foi o padre que desestimulou a festa ou se foi o povo que a foi deixando de lado. De qualquer forma, foi interrompida nos primeiros anos da década de 60. Época do Concílio Vaticano 11, de grande renovação na Igreja, de desestímulo às manifestações de religiosidade popular.  

Era vigário o Pe. Osvaldo Guerreiro, que chegara ao Riacho em 1962 – quando se demoliu a antiga capelinha e se deu início à construção da nova.  

Os Ventos 

“Quem trabalhou com barco, sabe bem o cruzamento dos ventos. Tem que saber.” (Nono Rosa)  

Saber identificar os ventos era muito importante para os moradores do Riacho. E sabiam fazê-lo muito bem. Os antigos ainda conseguem identificá-los, e costumam “consultar os ventos” para saber do tempo.  

Identificam basicamente 3 ventos: o sul/suleste; o leste conhecido pelo nome de vento nascente; o noroeste, conhecido também por meio noroeste, ou norte.  

Sul é o vento que sopra da Baixada Santista. Traz cerração, garoa e chuva fraca. Às vezes chove forte. Mas não muito.  

“O vento sul traz a cerração, mas era naquele tempo. Hoje tá cabano a cerração, fumaça. É quase difícil. Mas naquele tempo era todo dia. E chuva então… Nossa. A turma aqui já estava tudo acostumado. Hoje a fumaça quase nem vem vino mais! Tá se acabano.” (Zato Pecchi).  

“Dava sempre à tarde, depois do meio dia. Vinha cerração e fechava. Uma coisa triste mesmo”. (Nono Rosa).  

Depois que as águas das represas subiram cresceu também o nível de umidade.  

“Chuvisquero e garoa aqui era direto. Teve uma ocasião aqui que foi um mês, dia e noite, sem parar. Agora, cerração, chegava depois do almoço. Virava o sul, era tudo dia, num se enxergava nada.” (Zato Pecchi).  

“… A umidade estragava tudo em casa. Era o tempo que às vezes chovia 8 dias … Prá evitar o mofo usava abrir as janelas pra circular o ar.” (Dna. Lina Rosa).  

O leste, o vento do nascente, é um vento muito bom.  

“Quando amanhecia e dava esse vento, o dia era bom.” Não havia garoa, chuva ou “fumaça” (cerração).  

Ao contrário, quando amanhecia soprando sul ou sudeste era garoa o dia todo.  

Noroeste (por alguns, conhecido por norte) é o vento mais temido, o mais perigoso. É vento  

de chuva forte, de temporal.  

“Quando dava o noroeste levantavam nuvens pretas, e aí sabia que o vento vinha bravo.”  

“Mas há momentos que atrapalha tudo. Sopra um, sopra outro.”  

Quando o vento está mudando de direção, dizem que está rodando. Boa parte dos comerciantes (sobretudo donos de bares e restaurantes) do Riacho costuma observar os ventos para planejar o movimento da casa. Daí prevêm se haverá sol, se virá cerração, se vai ficar frio. Mas às vezes a virada é brusca, inesperada.  

Quando baixa a cerração inviabiliza o lazer e a pescaria. Cai o movimento. O acesso ao braço do Rio Pequeno e Alto da Serra fica impossível. Quem não conhece não acha. E a estrada é perigosa. A chuva também prejudica bastante.  

Choveu, o movimento no Riacho cai no geral.  

Para os pescadores aficcionados, os ventos são muito importantes. Segundo eles os peixes costumam encostar sempre a favor do vento. Ou seja, se o vento está movimentando a água na direção do pescador, há grandes chances de boa pescaria. Ao contrário, se o está pegando por trás, em geral os peixes seguem o sentido do vento e encostam do outro lado.  

“No mesmo lugar pode não dar peixe de manhã e dar à tarde, se o vento virar.” (Lionel Ventura).  

Não abordo aqui as dezenas de clubes ou entidades recreativas de caráter associativo que se instalaram em vários pontos da orla. Dedico-me tão somente aos espaços de fruição livre, sem cerceamentos, multiplicados e não convencionados.  

Encontrar lazer nos domínios das represas Billlngs/Pedras ou nos seus “entornos” é coisa simples. E por vezes surpreendente. Quem, por exemplo, pode imaginar que se possa acampar em ilhas, aqui na Grande São Paulo? Pois bem, isto é possível.  

Quando as águas subiram, formaram-se várias ilhas, de pequeno porte na área da represa. Sobretudo no braço do Rio Pequeno. Ali, a mais conhecida é a ilha do Buchero (a 1,5km do Bar Flutuante), a mais procurada por pescadores que buscam isolamento e querem um piquenique.  

Entretanto não são conhecidas por denominações muito pertinentes, podendo a mesma ilha ser conhecida por nomes variados. A não ser a do Buchero, as demais não têm nomes muito certos. Os frequentadores vão batizando-as.  

Assim são citadas as Ilhas do Júlio, do Tatuzero, a Pelada e da Placa (porque tomam como referência as placas de marcação da antiga Light).  

Correr na orla da Billings, longe do ruído ou da fumaça dos carros, tem também seus adeptos. O local preferido é a Estrada da Pedra Branca, bairro do Montanhão. Fica ao lado direito do setor Reservatório do Rio Grande, tomando como referencial o sentido do fluxo das águas.  

Estradinha de terra, em zigue-zague, subidas e descidas com árvores em ambas as laterais no maior trecho do percurso. Por vezes passa ao nível da represa. Outras no costão muitos metros acima. Mas sempre seguindo o traçado acidentado da represa.  

Billings Viva – Próximo Capítulo – 6