O desafio do outro

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O desafio do outro… 
Festival da Amizade e Cultura de Paz 

“Descobrindo-nos e descobrindo o mundo. 
Descobrindo-nos no mundo, e entendendo suas relações. 
 Descobrindo o mundo, e ajudando a reconstruí- lo.” 
Da Ação Cultural Abaçaí 

“A conscientização se autentica nesta ida e volta que é, em última análise, a unidade
dialética entre prática e teoria, em que aprendemos que a verdadeira paciência não se
identifica, jamais, com a espera na pura espera. A verdadeira paciência, associada sempre
à autêntica esperança, caracteriza a atitude dos que sabem que, para fazer o impossível, é
preciso torná-lo possível. E a melhor maneira de tornar o impossível possível é realizar o
possível de hoje. (…) Não pode haver esperança verdadeira, também, naqueles que tentam
fazer do futuro a pura repetição de seu presente, nem naqueles que vêem o futuro como
algo predeterminado.”  
Paulo Freire  

Foi no 11 de Setembro, há 10 anos. Voltamos a uma experiência que os mais utópicos, entrados no 3º Milênio, não acreditávamos pudesse retornar. Nos indignamos do mesmo jeito que nos indignamos com a fome e toda sorte de injustiças que, com os avanços de toda tecnologia que inventamos e de que passamos a nos servir, mais facilmente conseguimos identificar e denunciar. Cresce assim, e como, nossa responsabilidade frente aos fatos, frente ao mundo. 

FA_26_MADEIRENSE SANTOS

O Festival da Amizade ergueu-se com o mote São Paulo de todos os povos, São Paulo de toda gente…Uma crença aninhada no DNA da Abaçaí, brotada em seu seio em de meados de 1977, na Academia Marina Aguiar, no Itaim. 

Crianças do grupo da Casa da Ilha da Madeira- SP / Foto: Reinaldo Meneguin 

Com ele, mais que reunir grupos para dançar e cantar, isto também, estamos mostrando que é possível a convivência com o outro, com o diferente. Estamos focando o valor da alteridade, seu respeito e seu cultivo.  

No período de 75 a 77, com o recrudescimento das ditaduras latino-americanas, intensificou-se o que passamos a chamar migração latina, com destino preferencial a São PauloCom este afluxo surgiram e se mantiveram muitos “grupos latinos” que passaram a divulgar os ritmos, as sonoridades e cultura de nossa América. Foram eles responsáveis pela divulgação dos trabalhos de artistas de resistência de vários países (Tejada Gomes, Atahualpa Yupanky, Angel e Violeta Parra, Víctor Jara, …). Foi também a oportunidade de descobrirmos nas vivências, e não mais nas páginas frias e distanciadas dos livros de história e Geografia, que também nós, brasileiros, fazemos parte desta América. 

É claro que não levou tempo para que certa parcela preconceituosa da mídia rotulasse estes artistas e seus simpatizantes, de “turma do poncho e conga”, uma alusão à difusão da forma de se vestir que se disseminou, bem como aos instrumentos utilizados e ritmos tidos como “exóticos”. Exóticos !, meu Deus!!! 

As situações de preconceito, como é de praxe, não permitem que se enxergue além das cascas, dos vernizes, das aparências, dos estereótipos. Do aparente. Grande parte da crítica, e mesmo quem sabe das ditas elites “pensantes”, não conseguiu perceber que, naquele momento, exercitava-se o início da descoberta e do conhecimento da América Latina, não como simplesmente “outra”, mas próxima e “hermana”. Aproximação ímpar e primeira com uma América, distanciada, e a partir de então denominada Nuestra América, e que teve por epicentro a Cidade de São Paulo. 

Naqueles tempos o espaço da Academia Marina Aguiar, professora de balé por quem a Abaçaí foi acolhida, passou a ser ponto de contato com esse universo de “migrantes” latino-americanos e suas culturas. Imperceptivelmente foram se estreitando os vínculos com muitos desses “migrantes”, tendo por elo comum a arte e a cultura, propiciando vivências com intercâmbios de músicas e danças.  

Já assim imbuídos da consciência de nossa “latinidade”, buscamos para nossa entidade um nome ligado à nossa cultura latino-americana, eufônico, redondo e visualmente bonito – Abaçaí (1). Pacto selado não só com nosso universo latino, mas com uma consciência embrionária de terra sem fronteiras. Acreditamos, então, com todas as nossas crenças naquilo que a nossa convivência e vivências nos sinalizavam, e que buscamos difundir através de um pôster com versos escolhidos de Tejada Gomes:

“America elemental 
Yo te siento despertar
Desde el sueño de Atahualpa 
Como um volcan de libertad!” 

E Violeta Parra  

Cuando sera esse cuando, señor fiscal
Que la America sea solo un pilar?
Cuando sera esse cuando, señor fiscal?” 

Não é fato novo que a chegada de alguém a um lugar desconhecido, o primeiro contato com um ambiente novo, seus primeiros contatos, é sempre um desafio para quem chega e para quem recebe. A forma como se recebe e se é recebido é sempre desafiadora e decisiva, para ambas as partes. Um desafio maior para nós que vivemos imersos em uma cultura fragmentária e fragmentadora, marcada pela competição e por disputas, indutora de exclusões. Universo de rejeição e não de acolhimento.  

Assim é que, nestes primeiros contatos a forma como se é recebido, o acolhimento é decisivo para a permanência e definição da qualidade das relações que se estabelecerão. 

H. Mariotti nos mostra como nossa convivência com outros e com o mundo, em muitas situações, é de afastamento, desconfiança e destruição. Ou seja, vivemos em desacordo com nossa biologia, com nossa tendência biófila (de respeito à vida, em todas as suas formas), estabelecendo conflito com a ordem natural das coisas. E por não nos mostrarmos acolhedores, é claro que  
“(…) recebemos o mesmo em troca, tanto em termos de violência entre as pessoas quanto em relação
às catástrofes naturais: enchentes, secas e outras consequências da agressão ao meio ambiente.” 

Convencido de que em todas as dimensões do nosso cotidiano manifesta-se certa predisposição para não acolher, não compartilhar e sim para dividir, separar, aponta-nos o pesquisador, como saída, o caminho do acolhimento, este por ele conceituado como 
“(…) a arte de interagir, construir algo em comum, descobrir nossa humanidade mais profunda na relação
com os outros e com o mundo natural”. (2)  

Nos primeiros estágios desse processo, o que há são atos de interação, sem troca de nenhum conteúdo referencial. É a fase do estar junto, da simples comunhão, que não é tão simples. 
“Todos os seres animais se agregam e, uma vez agregados, precisam interagir. O modo mais comum de
interação é a comunhão, ou seja, o estar satisfeito com o simples estar junto. Se há alguma coisa
para comunicar, isso é muito bom e bem-vindo. Se não houver, não importa. O que importa é a
solidariedade, a predisposição para a convivência, para a cooperação, enfim, a confraternização”. 
Hildo Honório do Couto 

Neste momento em que estamos contemplando o ocorrido naquele fatídico 11 de Setembro, pesa-nos também encarar os chamados bullings de que têm sido vítimas os “novos migrantes” latinoamericanos e outros segmentos sociais. 
Por outro lado a mídia veicula os fatos, de tal forma que, acredito, só tem servido para reforçar o lado negativo dos mesmos, reforçando-os. 
A que presta deter-se nos aspectos negativos de certos fatos, e insistir neles, se não se acrescentam ponderações sobre seus impactos e, desdobramentos. 
Não adianta discuti-los nos círculos acadêmicos e em programas de opinião, (não que isto também não seja importante), mas a forma como isto é concebido, veiculado, apresentado, não consegue produzir “liga” com as pessoas e provocar mudanças no seio da sociedade. 
Sob este enfoque, as palavras não são só um instrumento de leitura da língua; são consideradas instrumentos de releitura coletiva da realidade social em que as pessoas estão ambientadas.  
Reconhece-se assim o papel de extrema relevância que as palavras trazem em potencial e, ao mesmo tempo, seu viés pragmático, ou seja, o conjunto de relações sócio-culturais que a palavra gera na pessoa ou grupo que a utiliza.  

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Vemos o que nossa estrutura nos permite ver, e escutamos o que nossa “estrutura argumental” nos permite escutar. Falta-nos a sensação, a descoberta de que fazemos parte deste mundo, e que o mesmo faz parte de nossas vidas. Nós, seres humanos, mesmo que disto não tenhamos consciência, construímos o mundo imediato em que vivemos e somos por ele construídos. 

Foto: Reinaldo M. 2008 

Os discursos continuam a ser elaborados e apresentados de forma equivocada. 

Sim temos que contribuir para passarmos de uma cultura da violência para uma Cultura de Paz. Como fazê-lo? Quais as estratégias? Que caminho seguir. 

Apesar dos dados expressos, decorridos 35 anos desde nossos primeiros exercícios para a descoberta e reconhecimento de nossa latinidade, continuamos a acreditar no cultivo de uma fraternidade latino-americana, como nos idos da década de 70. Como tantos outros cidadãos planetários, conscientes, continuamos a acreditar numa terra sem fronteiras. 

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E numa situação de contato de pessoas de histórias de vida variadas, comportamentos e referenciais de mundo diferentes, que é o que pretendemos com o Festival da Amizade, o que valeria dizer contato intercultural, depois de dançarem, darem muitas voltas juntos, rirem juntos, de toda uma interação de perfil comunial, uma atitude de comunhão de sentimentos entre as partes, de solidariedade (comunhão), ter-se-á dado início à preparação do terreno para o surgimento de uma comunidade. Uma comunidade de humanos. 

Foto: Reinaldo M.- 2009 

Esse se dar conta da existência do mundo e de nosso próprio estar no mundo, não como realidades contíguas, mas, ao contrário, como existências dinâmicas, ao mesmo tempo desafiadoras e complementares, é a essência, o fundamento da convivência. 
O estar em permanente relação afetiva, em situação de interação, de comunhão e comunicação com o outro e com o mundo é condição essencial de todo desenvolvimento humano. Na interatividade da convivência a comensalidade (de cum – comum e mensa – mesa), o compartilhar do alimento, é traço essencial. Mais que a satisfação de uma única necessidade básica, a de matar a fome, indica o compartilhamento, a possibilidade de irmanamento, troca de energias, tendo algum tipo de alimento como indutor, ou seja, o dividir a mesa com alguém é ao mesmo tempo satisfação de várias outras necessidades inerentes à sociabilidade. 
Câmara Cascudo além de ratificar a importância social e fraternal da mesa, da comensalidade, chama atenção também para seu caráter includente:  
“De todos seus atos naturais o alimentar-se foi o único que o homem cercou de cerimonial e transformou-o
lentamente em expressão de sociabilidade, ritual político, aparato de alta etiqueta. Compreendeu- lhe a
significação vitalizadora e fê-la uma função simbólica de fraternidade, um rito de iniciação para
a convivência, para a confiança na continuidade dos contatos.”  

Comer juntos é aliar-se, irmanar-se, solidarizar-se. Implica certo grau de intimidade e estabelece relações entre indivíduos, o que faz com que os comensais se igualem: Somente indivíduos que se reconhecem como do “mesmo nível e prestígio“, habitualmente comem juntos, como amigos. 
Comensalismo é também sinônimo de simbiose, de simbiose social – forma de interação/social que prescinde de intercâmbio através da linguagem. À mesa compartilhamos o ‘’pão’’, compartilhamos alegrias, tristezas, o sucesso, a raiva do chefe. Pode ser o compartilhar de um simples cafezinho.
Da comensalidade, chega-se ao companheirismo, ao reconhecer o outro não só como um outro, mas como um companheiro (de cum panis – um pão em comum), aquele com quem compartilho o pão, meu pão, nosso pão. Comer do mesmo pão, alimentar-se juntos, e daí compartilhar idéias, sentimentos, objetivos. 
Tudo que buscamos ensejar no Festival da Amizade e durante o Revelando São Paulo. Ainda que o reconhecimento do outro continue a ser um constante desafio. 
TM- 2011 

1-Acolhimento – Humberto Mariotti e Maria Cristina Zauhy, 2002
2-Cascudo, 1973 

arena
Encontro Inter-religioso (incluir na pag
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Uma imagem contendo no interior, edifício, mesa, cozinha

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Pessoas com instrumentos musicais

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Homem com chapéu de aniversário

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Desenho de uma pessoa

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Pessoas posando para foto com cachorro

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Uma imagem contendo natureza, fogo, pessoa, homem

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Mulher com vestido colorido

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Pessoas carregando pranchas de surf

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Pessoas com instrumentos musicais e microfone em local escuro

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Desenho de personagem

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2002Grupo de pessoas na rua em dia de sol

Descrição gerada automaticamentePessoas na rua com prédio em cima

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Pessoas com instrumentos musicais

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Homem e mulher em pé posando para foto

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Multidão de pessoas

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Grupo de pessoas dançando

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Homem de brinquedo

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Uma imagem contendo pessoa, homem, segurando, em pé

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Uma imagem contendo pessoa, no interior, criança, em pé

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Homem sentado em cadeira de rodas

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